O TORMENTO DE DEUS

      Andava naquela idade em que se duvida de tudo, até de Deus. Sem aprofundar-se em lições teológicas, padre Eider me deu para ler um livrinho de autoria do frei Mateus Rocha, com o título “O tormento de Deus”.

     O livro desenvolve-se sobre os questionamentos de Dostoiévski sobre a fé e o ateísmo moderno, a partir da leitura de alguns dos seus romances. O foco principal é o romance Os irmãos Karamázov, sem esquecer a instigante frase de Ivan:  “Se Deus não existe, tudo é permitido”.

     A lembrança desse pequeno livro veio-me agora por estar lendo uma biografia bem extensa de Dostoievski, de Joseph Frank. Então, aproveitei o título e a sugestão daquela leitura antiga para comentar esse aspecto da vida do respeitável escritor russo.

     Em seu romance Os demônios, o personagem Kirilov confessa: “Deus me atormentou durante toda a minha vida”. Entre uma fé ardente e as dúvidas, Dostoiévski às vezes se tornava contraditório. Esses momentos de dúvidas levaram alguns apressados a dizerem que ele era ateu. Na verdade, essas alternâncias eram superadas em momentos de oração: “Creio, Senhor, mas vinde em auxílio de minha fé.”

     Após 200 anos de seu nascimento, comemorados este ano, Dostoiévski nunca perdeu o reconhecimento como um dos maiores escritores da literatura universal. É autor de uma bibliografia profunda sobre o homem e seus conflitos interiores, espalhando Cristo, segundo Nabokov, em todas as suas obras.

     Quase ateu na juventude, cheio de idéias revolucionárias, ele sempre procurou Cristo com uma visão socialista, defendendo ardorosamente o fim da servidão dos camponeses e a propagação do cristianismo.  Por tais idéias, uniu-se a um grupo de jovens, que acabaram presos e condenados a trabalhos forçados na Sibéria, onde   passou dez anos da sua vida.

     Quando Dostoiévski voltou do degredo, suas inclinações revolucionárias aplacaram-se. Ali, onde o único livro que teve às mãos durante os primeiros anos, foi a Bíblia, consolidou-se como um cristão fervoroso na adoração de Cristo. Por essa sua posição, adquiriu muitos inimigos, pois estavam disseminados, naquela época (1840-1870), entre jovens e intelectuais, o ateísmo, o niilismo e o materialismo.

     Em seus romances, Dostoiévski manifestava suas opiniões pela voz dos seus personagens. Nesses debates, o autor extravasava o tormento da dúvida que, às vezes, lhe torturava. A meu ver, se naquele período, ele conhecesse os fundamentos da teologia da libertação, fortaleceria sua predisposição cristocêntrica e aplaudiria um Cristo como mensageiro da libertação do homem. Vejo, nessas crises de fé algo parecido com Santo Agostinho no período que antecedeu sua conversão.

     No romance O idiota, pretendeu Dostoiévski fazer do personagem principal, o príncipe Míchkin, a imagem de Cristo, pregando o perdão, a bondade e a conciliação entre as pessoas. Por essas atitudes extravagantes, o príncipe não foi compreendido.

     A obra máxima em que os debates de cunho religioso ocorrem é no seu último romance, Os irmãos Karamázov. Nessa família, com um pai devasso, três filhos com ideias diferentes viviam em constantes discussões religiosas e filosóficas: Ivan, Dmítri e Aliócha. Os extremos eram sempre argumentos de Ivan, o ateu, autor da frase acima citada; e Aliócha, que se tornou religioso e foi morar num mosteiro.

     Nesse livro, o ponto mais alto é o capítulo O grande Inquisidor, no qual relata a volta de Cristo e sua prisão por ordem da Inquisição por estar causando tumulto na sociedade. Os diálogos ali travados são de uma profundidade que despertam interesse até hoje.

     O sonho de Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski era ver triunfar o humanismo cristão, num mundo em que a justiça e a igualdade se efetivassem nas relações sociais e políticas.

     Pode-se concluir dizendo que ele era um cristão ativo que combatia veementemente o ateísmo e o egoísmo individual. Joseph Frank, na biografia já referida, afirma que Dostoiévski pretendia atribuir à Rússia a auréola de um Cristo entre as nações.

     O gênio desse autor foi levar para suas obras tantos debates profundos sem se tornar enfadonho, despertando interesse dos leitores mesmo nesta fase complexa em que vivemos.

     Por: Lourival Serejo



Lourival Serejo

     Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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