A Proteção da Mulher e os Paradoxos da Realidade

Por: Lourival Serejo

O Supremo decide fortalecer a Lei Maria da Penha e ordenar que a queixa da mulher agredida deve prosseguir até o fim, com a punição do agressor, mesmo que ela não queira ou venha a desistir da ação.

 Não há nenhuma dúvida de que a decisão do Supremo Tribunal Federal é perfeita, porque protege a mulher integralmente e não deixa o agressor, seja  marido,  namorado ou  companheiro, impune. Merece, portanto, todos os louvores a decisão em epígrafe, porque fortalece a Lei Maria da Penha e ampara a mulher, em sua integridade física, com toda a inteireza que merece.

Acontece que as coisas nem sempre ocorrem com a precisão que as leis pretendem, principalmente quando se discute o amor e as relações familiares.

Volto a lembrar aqui uma crônica de Rachel de Queiroz, intitulada A rapadura, sobre a qual fiz alusão em outra crônica minha, tratando deste mesmo assunto.

Relata a cronista cearense a situação de uma mulher que vive conformada em apanhar do seu homem  e  ainda o defende dos que se empenham em protegê-la, com esta lógica da submissão: “se ele bate, bate no que é dele”.

Já enfrentei um caso curioso com repercussão debaixo da minha barba. 

Designei, como juiz, uma audiência para ouvir uma mulher que havia ferido o marido com uma faca, num gesto alucinado de ciúme. Depois de perdoá-la, passaram a conviver novamente, não interessando mais o prosseguimento da ação. Ambos já se haviam perdoado e não entendiam o que a Justiça ainda queria com eles.

É frequente ocorrer o caso de mulheres reclamarem o atraso de pensão alimentícia, mas avisam logo que não querem a prisão do devedor por causa dos filhos, que podem se voltar contra ela por mandar o pai deles para a cadeia.

São muitos os casos que ressaltam essa perplexidade. No Paraná, contou-me um colega magistrado, que uma mulher saiu zangada da audiência porque ele resolveu punir o marido que batia frequentemente nela. Disse a ofendida que aquela Justiça não entendia nada. Ela queria que o juiz apenas repreendesse o agressor ou fizesse diminuir as agressões. Estaria ela querendo lembrar da força do perdão,  como aliada da tolerância?

A decisão da nossa mais alta Corte  apenas esqueceu esses paradoxos que a realidade apresenta. Nem poderia contemplá-los, pois se trataria de um retrocesso ao propósito da lei.

Tenho a impressão de que minha avó não teria dificuldade em solucionar esses impasses. Com certeza, ela aplicaria a sabedoria de sua máxima: em briga de marido e mulher não se mete a colher. Que as feministas perdoem a minha avó pelo sua conformação em ser uma perfeita mulher de Atenas, aquelas que só viviam para os maridos.

Esse mundo das relações amorosas é muito difícil de harmonizar-se com leis inflexíveis. A decisão do Supremo merece aplausos, torno a registrar aqui, por não admitir a tolerância com a violência doméstica que submete a mulher à condição de vítima permanente dentro do seu próprio lar. Esses paradoxos são apenas paradoxos.



Lourival Serejo

     Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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