Agora é a Vez da Ágora

Por: Lourival Serejo

Todos conhecemos a famosa frase de Marx, lá do seu Manifesto do Partido Comunista: “Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos”.

A conclamação de Marx foi no sentido de conscientizar a classe trabalhadora em defesa dos seus direitos e contra a exploração pela burguesia. Dessa união consciente resultaram a divisão ideológica do mundo e sucessivas revoluções. Reconhecidos os direitos dos trabalhadores, novas reivindicações vieram à tona. Posteriormente, os direitos individuais foram reconhecidos e hoje estão positivados nas constituições de todas as democracias.

Como essa luta é incessante, adquirindo os matizes de cada momento histórico, atualmente assistimos à mobilização dos cidadãos de todo o mundo, como se houvesse um acordo tácito, para levar os clamores da indignação às ruas contra os desmazelos éticos, econômicos e administrativos dos governos.

Na França, particularmente, houve um apelo aos jovens para indignarem-se contra o atual estado de coisas, no seu país e no mundo. Esse apelo veio de um intelectual de 93 anos de idade, Stéphane Hessel, que publicou um livrinho com o título “Indignai-vos’ (Indignez-vous!). Tal obra se insere numa coleção com o sugestivo nome de “Os que andam contra o vento”. Em um trecho do seu livro, diz o autor, dirigindo-se aos jovens: “A pior das atitudes é a indiferença, é dizer ´não posso fazer nada, estou me virando`. Quando assim se comportam, vocês estão perdendo um dos componentes indispensáveis: a capacidade de se indignar e o engajamento, que é consequência dessa capacidade.”

Depois de tanto marasmo, no Brasil, a indignação começa a manifestar-se, nas praças, contra a corrupção. Parece até que os estudantes adormecidos há muito tempo estão se integrando nessas demonstrações de cidadania.

De repente, a Ágora adquiriu um sentido mais amplo do que possuía em sua origem grega; tornou-se um local de exercício de cidadania, uma praça republicana de reivindicações sociais e políticas.

A internet deu-lhe uma amplitude universal e incontrolável. A praça começa a ter consciência do seu poder de bradar em defesa dos direitos individuais e dos valores democráticos, éticos e sociais esquecidos pelos dirigentes políticos.

A Primavera Árabe foi o primeiro passo de afirmação dessa nova postura de rebeldia cívica contra as ditaduras consolidadas. Na América Latina, especificamente no Chile, os estudantes estão nas ruas clamando por reformas educacionais, fazendo lembrar de Ingenieros e suas lições aos jovens latinoamericanos: “Juventude sem espírito de rebeldia é servidão precoce.”

O povo tem uma força latente capaz de tudo, quando sacode a letargia e rompe com a comodidade. A classe política dirigente, no Brasil, não pode esquecer o conselho de Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, lembrado por mim quando escrevei sobre As vozes que vêm da África: “Façamos a revolução pelo voto, antes que o povo a faça pela violência.”

A indignação que precisamos externar é aquela contra a corrupção, em todos os poderes, contra os desmandos administrativos, contra a falta de ética.

A sucessão de acontecimentos no alto nível de administração federal deixa o cidadão estarrecido e desiludido. Parece até que a corruptocracia está contaminando a democracia.

É curioso o fato de os corruptos nunca admitirem o crime, por mais evidência que houver. Os criminosos comuns confessam seus crimes com facilidade, indo até aos detalhes. Mas o corrupto, não; nega e nega, até não poder mais. Supõe-se que há um juramento de confraria para nunca confessarem, nunca falarem a verdade. Usam descaradamente o privilégio da mentira como defesa. A propósito disso, lembro-me de um fato que li num artigo sobre prisões e criminosos. Dizia o autor que foi encontrado, numa cela de uma penitenciária de Portugal, o desenho de uma cruz feita com carvão e, sob ela, esta curiosa quadra: “Quem nesta prisão entrar, /repare bem nesta cruz. / Não diga nunca a verdade, / pelas chagas de Jesus”.

Talvez o juramento dos corruptos seja nessa linha. Esquecem, entretanto, que os clamores da Ágora são mais fortes do que essas trincheiras da imoralidade e que os tempos da servidão voluntária acabaram-se. A Primavera Árabe está aí para demonstrar.

 

Publicada no Estado do Maranhão, em 30.10.2011



Lourival Serejo

     Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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