A epidemia da pós-verdade

De vez em quando, surge uma palavra nova para expressar um fenômeno novo. Torna-se, então, a palavra da moda. Agora é a vez de a "pós-verdade". Aliás, o ano de 2016 foi eleito o ano da pós-verdade.

Se, para nós, essa palavra é nova, no dicionário Oxford ela já consta há dez anos (post-truth), com a seguinte significação, segundo divulgação pela conhecida enciclopédia virtual: "circunstância em que os fatos objetivos têm menos influência sobre a opinião pública do que apelar à emoção e a crenças pessoais". Em outras palavras: é a relatividade da verdade na sociedade contemporânea. Os fatos não existem por si mesmos, mas pelo que a pessoa percebe, ou seja, pelo que escolhemos  ou "queremos acreditar que é a verdade". Em suma: são mentiras repetidas que distorcem os fatos. Os nazistas usavam com frequência essa tática, sob a fórmula de Goebbels: "Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade".

Em recente reportagem sobre essa matéria, o jornal O Globo, para melhor esclarecer o que é a pós-verdade, lembra da boneca Emília, de Monteiro Lobato, quando dizia que "a verdade é uma espécie de mentira bem pregada, das que ninguém desconfia".

Nas eleições brasileiras e americanas de 2016, o uso da pós-verdade tornou-se comum e preocupante. Aliás, nesse particular, encontro, num antigo axioma, a descrição exata do que é esse novo termo: "em política, a versão vale mais do que os fatos". Apurando os dados anteriores, conclui-se que o batismo dessa atividade danosa é novo, mas sua prática já é antiga. A diferença é que agora está alcançando  um nível assustador, gerando violência e provocando efeitos multiplicadores, sem respeito à vida privada e à honra dos atingidos pelas calúnias.

O campo de maior expansão e divulgação da pós-verdade são as redes sociais. E quando extrapolam esse círculo, a coisa fica incontrolável.

Para que tenha êxito a receptividade dessas notícias falsas, é preciso que o leitor não tenha o mínimo de consciência crítica, sendo impressionável pela primeira versão que lhe chega por qualquer meio de comunicação. Semana passada, estava no Rio de Janeiro, e um taxista me falou assustado: Estão dizendo que vem aí um ciclone poderoso que vai fazer muito estrago na cidade. E aí começa a boataria.

Temos a tendência de acreditar, à primeira vista, em tudo o que se lê. O material impresso parece ser o verdadeiro, o indiscutível. Ora, com um nível limitado de conhecimentos e sem qualquer senso crítico, o cidadão passa a acreditar, a defender e a divulgar o que ouve num noticiário, o que lê num jornal ou o que recebe numa mensagem pelo seu celular. E o desastre está feito, a verdade comprometida e as lesões morais configuradas.

O fator mais deletério da pós-verdade é o apelo ao emocional, acirrando ódio, intolerância e fanatismo.

Quando Trump declarou que Obama não era americano e que ele era o fundador do Estado Islâmico, sabendo que estava mentindo, elegeu a pós-verdade como instrumento de sua campanha. Ainda nos Estados Unidos, o mais desastroso efeito da pós-verdade foi a guerra contra Saddam Hussein, sob a mentira de que ele tinha um arsenal de armas nucleares capazes de destruir nações inteiras. Milhares e milhares de soldados morreram e um incalculável acervo cultural de artes e livros antiquíssimos, patrimônios da humanidade, foi destruído nos bombardeios.

No Maranhão, em particular, quando Vieira alertou, naqueles tempos, que aqui até o céu mente, já estava anunciando a prática da pós-verdade com o simples nome de "mentiras". Teria sido o Maranhão o inovador dessa prática?

Está aí, portanto, essa praga que veio para infestar a sociedade e as relações humanas, plantando a insegurança e a mentira como instrumentos de desintegração.

Trata-se de um tema complexo, que vem provocando debates entre os técnicos especializados, principalmente na área jornalística, que precisa balancear entre o dever de informar com ética e evitar ser veículo de boatos falsos.

A meu ver, a melhor postura de o cidadão precaver-se contra as pós-verdades divulgadas é adotar a dúvida como regra, na velha linha do filósofo Descartes. Duvidar de todas as informações,  noticiários e mensagens enquanto não comprovar a veracidade dos fatos. Controlar a emoção e buscar outras fontes de informação.

Dentre tantos males que desafiam nossa existência, não há dúvida de que a propagação de notícias falsas é mais uma epidemia que assola a humanidade e, para evitar sermos contaminados, precisamos estar alerta. Sempre alerta.



Lourival Serejo

     Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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