Depois de percorrer alguns romances da literatura brasileira contemporânea, fui surpreendido – não só eu, mas todo o país – com a concessão do Prêmio Jabuti, na categoria romance literário, para um desconhecido escritor da Bahia.
O felizardo foi Itamar Vieira Júnior e a obra premiada foi Torto arado, com o selo da editora Todavia. É o segundo livro da sua autoria que veio com força suficiente para arrebatar o prêmio mais cobiçado da literatura brasileira. Antes, pelo mesmo livro – lançado primeiro em Portugal, em 2018 – ganhou o prêmio Leya de 2019, também muito desejado naquele país. Em seguida, ganhou o prêmio Oceanos.
Não tive como dominar minha curiosidade em saber qual o valor literário que esse romance encerraria.
Após a leitura, constatei que o prêmio fora merecido. Estava diante de uma obra diferente do que vem se escrevendo ultimamente, mas com um peso valioso. Pareceu-me que Torto arado puxou o freio na corrida dos últimos romances brasileiros que seguem por trilhos iguais.
O romance de Itamar não é uma obra feita de uma hora para outra. Foi pensado e gerado por mais de dez anos, ainda quando ele começou sua vida de servidor público do INCRA, percorrendo esse vasto Brasil rural, inclusive passando pelo Maranhão, vendo de frente toda a pobreza invisível que se oculta da vida urbana das grandes cidades.
Torto arado é um romance rural, mas não é regional. Isso o autor faz questão de enfatizar. O ambiente e os problemas que retratam presentes em todo o país: a luta pela terra; a religião e a cultura afro-brasileiras; a exploração do homem e a condição de trabalho análoga à de escravo.
O curioso é que Itamar Vieira Júnior não veio do mundo acadêmico nem do literário. Sua formação superior foi na área da Geografia e da Antropologia. Entretanto, sua inclinação pelos livros começou desde a infância pobre em que vivia. Sempre foi um leitor voraz de toda a literatura clássica. Provavelmente, essas leituras projetaram, em sua obra, pitadas de Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Guimarães Rosa, Manuel Scorza e John Steinbeck.
O romance divide-se em três partes: fio do corte, torto arado e rio de sangue. Cada parte é narrada por uma mulher negra: a primeira, por Bibiana; a segunda, por Belonísia; e a terceira, por um ente chamado Santa Rita Pescadeira. É isso mesmo, aqui surge uma nova força do romance, ao retratar esse lado místico arraigado ainda na cultura brasileira.
Zeca Chapéu Velho, pai de Bibiana e Belonísia, marido de Salu, é o curador mais famoso de Água Negra. Sua fama atrai doentes de toda a região, os quais são tratados na casa dele, com a ajuda dos seus guias: Sete-Serra, Iansã, Mineiro, Marinheiro, Nadador, Come e Damião, Mãe D´água, Tupinambá, Tomba-Morro, Oxóssi, Pombo Roxo e Nanã. As sessões de invocação desses entes eram feitas nos jarês, uma religião afro-brasileira, semelhante ao camdomblé, onde se reuniam toda a vizinhança da área, para assistirem as curas e os privilegiados receberem os espíritos.
O domínio de todo esse material não seria suficiente para esse romance tornar-se tão aplaudido. O resultado da longa pesquisa de Itamar foi convertido numa história escrita com técnica e segurança, numa linguagem de fácil absorção, pois o autor fez a opção de não reproduzir literalmente a linguagem cabocla, o que poderia tornar o romance pesado de leitura difícil.
Itamar Júnior prestou uma grande contribuição para o estudo do Brasil oculto, cheio de vida, crendices e injustiças sociais. Lembrei-me de uma entrevista que li do escritor turco Orhan Pamuk, quando disse: “Num romance bem construído, tudo está relacionado com tudo, e essa rede de relações forma a atmosfera do livro e, ao mesmo tempo, aponta para o seu centro secreto”.
Torto arado trouxe um desafio para os novos autores fazerem uma parada para repensarem o fluxo dos romances que são brotados com tanta rapidez.
Por: Lourival Serejo
Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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