O CHILE 50 ANOS DEPOIS

     Lembro-me bem do impacto que me causou a notícia de que Salvador Allende tinha sido derrubado do poder, por um golpe militar, e estava morto. Foi um baque terrível para mim que havia acompanhado todos os trâmites de sua eleição e torcia por seu governo socialista. Morava na casa de estudantes universitário e ficamos todos consternados. Todos, não. A maioria.

     Neste 11 de setembro, comemora-se 50 anos daquela data – 11 de setembro de 1973 – que mudou a face da América Latina.

     A ditadura que se instalou no Chile foi uma das mais violentas do continente, prendendo, torturando e matando milhares de chilenos e mandando muitos para o exílio. Recentemente, foi constatado que o poeta Pablo Neruda foi envenenado pelo regime de Pinochet, logo nos primeiros dias em que ele assumiu o poder.

     O pretexto para o golpe foi o caos que se instalou no Chile, tendo como ponto alto o desabastecimento provocado pela greve dos caminhoneiros. A situação política e econômica ficou insustentável. Os desinformados culpavam o governo de Salvador Allende. Hoje sabe-se que todo o clima de greves sucessivas, passeatas e desabastecimento foram planejadas pela CIA, sob ordem de Nixon e Kissinger.

     A ditadura de Pinochet durou 17 anos. Normalizada a situação política, voltaram as eleições presidenciais ocorridas de quatro em quatro anos.

     A eleição de Gabriel Boric, em 2021, jovem da esquerda, para presidente do Chile, foi recebida como a resposta dos chilenos pela renovação e pelo abandono definitivo dos resquícios ditatoriais, com a renovação dos valores políticos e sociais.

     Depois de 50 anos do golpe militar que derrubou Salvador Allende, para minha surpresa, temos um Chile vivendo um paradoxo em sua situação política. O resultado daquela eleição trouxe à mostra o impasse ideológico imprevisível: vence um presidente da esquerda ao mesmo tempo que perde a maioria do Congresso para as forças da direita.

     A euforia durou pouco. De repente, emergiu das entranhas saudosistas uma força reacionária contaminada pela onda da extrema-direita que tem abalado o mundo.

     Então, o presidente Boric sofreu sua primeira derrota ao ter seu projeto de reforma constitucional derrotado num plebiscito, antecedido de vários protestos nas ruas.

     Como se explica que um país que sofreu tantos horrores de uma ditadura não tenha memória para afastar-se de tudo que se refere àquele período sangrento de sua história? Como se explica que os chilenos deem as costas a Pablo Neruda, que usou as armas da poesia para lutar pelos direitos políticos daquele país?

     Agora, para renovar a tentativa de enviar a proposta de uma nova constituição o presidente Boric sofreu outra derrota para a eleição do Conselho Constitucional encarregado da elaboração do projeto. A maioria de componentes eleitos é da extrema direita.

     Em entrevista à BBC News Mundo, o sociólogo espanhol Hugo Rojas, ao avaliar a situação do Chile, classificou o país como dividido, tenso e polarizado. Esclarece que a maioria da população é alheia à questão dos direitos humanos e vive na indiferença, muitos deles jovens que cresceram num ambiente repressivo e tornaram-se alheios às mudanças.

     Nesse contexto, Gabriel Boric deverá encontrar dificuldades para implantar seus projetos de governo, voltados para recuperar os princípios democráticos esquecidos. Mas a  juventude do presidente com certeza contribuirá para superar esses contratempos, principalmente a promulgação de uma nova Carta Política para o Chile que rompa, definitivamente, os resquícios da ditadura.



Lourival Serejo

     Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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